Um caso de amor
O texto escrito, a exemplo das linguagens de um modo geral, sempre desenvolveu, desde sua origem, função crítico-flexiva através do registro do cotidiano, da crítica dos costumes, da denúncia social, da ideologia que legitima ou contesta a ordem estabelecida.
Essa função está presente nos textos desta coletânea: o cotidiano é captado no movimento repetitivo da vida familiar (“O homem acorda / A mulher acorda / A criança acorda / O homem sai para o trabalho. / A mulher se arrasta dentro de casa. / A criança vai à escola...”); a crítica dos costumes encontra na fofoca o seu alvo preferido (“- O que é, o que é? / Define os vizinhos, / Fala (mal) da empregada, / Comenta as intimidades conjugais / E faz jogo do bicho todo dia? / - É o(a) fofoqueiro(a)!”); a negação de direitos básicos, pelo Estado, é objeto de denúncia (“Neste eito, / Não tenho luz / Nem água encanada. / Aqui tudo é informe: / As ruas, os buracos / E a desgraça enorme.”); as ideologias são desmascaradas no que tem de mais perverso (“Esse havana me arrebata / Do tédio e da solidão / Mas debilita meu pulmão.” [...] “A Coca-Cola é legal / Intoxica meu organismo / Me transforma num animal.”)
Esta coletânea, portanto, é um testemunho que reflete o contexto de sua criação – o país e o mundo na penúltima década do século passado, vistos a partir do coração da Amazônia -, de modo que constitui, simultaneamente, uma peça de denúncia, mas também de esperança anunciada.